terça-feira, 18 de maio de 2010

Decisão monocrática

Cuida-se de recurso de apelação interposto pelo impetrante, ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS APOSENTADOS E PENSIONISTAS DO IBGE, contra sentença terminativa proferida pelo juízo da 24a Vara Federal Cível da Capital, Seção Judiciária do Rio de Janeiro, nos autos do mandado de segurança coletivo impetrado contra ato supostamente ilegal praticado pelo PRESIDENTE DA FUNDAÇÃO INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – IBGE.
Na origem, buscou a Associação impetrante a concessão de ordem judicial direcionada a assegurar aos seus substituídos (servidores aposentados e pensionistas) o direito ao incremento, em seus proventos, da parcela remuneratória referente à vantagem pecuniária denominada GDIBGE, na mesma proporção como é paga aos servidores em atividade.
Para a obtenção da tutela jurisdicional pleiteada, sustentam, em síntese, que a citada gratificação, criada pela Lei nº 11.355/2006, consubstancia-se em vantagem de caráter geral, de modo que, em razão dessa natureza, deveria ser estendida aos aposentados, por força do artigo 40, §8o, da Constituição da República.
Ao analisar a causa, entendeu a magistrada de primeira instância no sentido de que a presente ação mandamental seria via processual inadequada, porquanto, na sua visão, a pretensão deduzida pela Associação impetrante veicula questionamento quanto à validade dos critérios de pagamento disciplinados na Lei de regência. Isto é, para a juíza sentenciante, este mandamus não seria destinado a questionar ato de autoridade, mas a disciplina legal em tese. Com base nesse entendimento, o processo foi extinto sem resolução de mérito, com menção ao art. 267, VI, do Código de Processo Civil (cf. sentença de f. 110-112).
Em recurso de apelo, a Associação impetrante impugna a sentença de primeiro grau de jurisdição para afirmar que esta ação judicial tem como objeto ato o questionamento de ato administrativo concreto. Assim, requer a anulação da sentença recorrida, com o julgamento do pedido direto por este Tribunal, na forma autorizadora do art. 515, §3o, do CPC (cf. apelação de f. 117-145).
A Procuradoria Regional da República opinou pelo desprovimento do apelo (cf. parecer de f. 156-158).
É o relatório.
Passo a decidir de forma monocrática, conforme autoriza o art. 557 do CPC.
Porém, antes de se adentrar o mérito propriamente dito, cujas balizas já se encontram bem definidas pela jurisprudência constitucional do Supremo Tribunal Federal, nos termos da Súmula Vinculante nº 20, impõe-se investigar se a presente ação mandamental revela-se, ou não, juridicamente adequada para viabilizar a concessão da ordem de segurança pleiteada na petição inicial.
No ponto, consoante assentado na sentença de primeiro grau de jurisdição, a Associação impetrante teria direcionado a presente impetração a, indevidamente, questionar a validade de lei em tese, o que seria incabível em sede mandamental, conforme entendimento jurisprudencial e doutrinário sobre o tema.
Como cediço, a ação de mandado de segurança traduz-se como procedimento especial disciplinado na Lei nº 12.016/09 e com status de remédio constitucional vocacionado à defesa de direito líquido e certo contra ato ilegal ou abusivo praticado por autoridade pública ou por quem esteja nessa qualidade (cf. art. 5o, LXIX, da CRFB). Com outras palavras, o mandamus define-se como instrumento jurídico-constitucional que confere a todo cidadão (nacional ou estrangeiro) a possibilidade de questionar a validade de ato estatal praticado contra a lei ou expedido com abuso de poder. Nesses termos, não se destina a impugnar lei em tese, mas ato concreto.
Sob essas luzes, impõe-se acolher as alegações sustentadas pela Associação apelante, no sentido de que a presente ação mandamental fora corretamente impetrada contra ato administrativo concreto, e não contra ato normativo em tese. Conforme bem pondera a apelante, “ora, está absolutamente equivocada a decisão ora recorrida. Isto porque a impetrante não está atacando lei em tese. Ela está impugnando ato concreto confessadamente praticado pela autoridade coatora, que não vem pagando aos associados da impetrante a GDIBGE, conforme determina a Constituição da República.”
Essa afirmação, importante gizar, é confirmada nas próprias informações prestadas pela autoridade apontada como coatora (informações de f. 84-87), a qual, ao defender legalidade do ato administrativo objurgado, sustenta o descabimento jurídico de se estender aos inativos os benefícios pecuniários instituídos pela Lei nº 11.355/2006 na forma da nominada Gratificação de Desempenho de Atividade em Pesquisa, Produção e Análise, Gestão e Infra-estrutura de Informações e Estatísticas. Portanto, o impetrado defende o ato atacado que, de fato, existe formal e concretamente.
Esse o quadro, entendo que a sentença recorrida operou em error in procedendo ao extinguir o feito sem julgamento de mérito sob o entendimento de ser inadequada da via mandamental eleita.
Assim, partindo-se da premissa de que há, no presente caso, ato administrativo de efeito concreto a viabilizar o julgamento do mérito da causa (que consiste em se examinar a compatibilidade do ato administrativo impugnado com a norma constitucional veiculado no art. 40, §8o, da Lei Fundamental do Estado Brasileiro), deve-se concluir pela necessária desconstituição da sentença de primeira instância, ou seja, pela anulação da decisão ora apelada.
Ademais, ainda que se entenda pela nulidade da sentença recorrida, o §3o do art. 515 do Código de Processo Civil autoriza o julgamento do seu mérito diretamente por este Tribunal Regional, na medida em que a presente causa encerra matéria unicamente de direito.
Dessa forma, com espeque no §3o do art. 515 do CPC, passo ao exame do meritum causae contido nesta ação mandamental.
Sem embargo, o presente apelo põe em destaque a questão jurídica relacionada à viabilidade constitucional de se estender, aos inativos, a gratificação pecuniária denominada GDIBGE, instituída pela Lei nº 11.355/2006. Assim, em jogo a correta incidência do art. 40, §8o, da Constituição Federal, na redação anterior à Emenda Constitucional nº 41, que assim ditava:
§ 8º - Observado o disposto no art. 37, XI, os proventos de aposentadoria e as pensões serão revistos na mesma proporção e na mesma data, sempre que se modificar a remuneração dos servidores em atividade, sendo também estendidos aos aposentados e aos pensionistas quaisquer benefícios ou vantagens posteriormente concedidos aos servidores em atividade, inclusive quando decorrentes da transformação ou reclassificação do cargo ou função em que se deu a aposentadoria ou que serviu de referência para a concessão da pensão, na forma da lei.
Sobre o tema, o Supremo Tribunal Federal editou a seguinte súmula vinculante:
Súmula Vinculante 20.
A Gratificação de Desempenho de Atividade Técnico-Administrativa – GDATA, instituída pela Lei nº 10.404/2002, deve ser deferida aos inativos nos valores correspondentes a 37,5 (trinta e sete vírgula cinco) pontos no período de fevereiro a maio de 2002 e, nos termos do artigo 5º, parágrafo único, da Lei nº 10.404/2002, no período de junho de 2002 até a conclusão dos efeitos do último ciclo de avaliação a que se refere o artigo 1º da Medida Provisória no 198/2004, a partir da qual passa a ser de 60 (sessenta) pontos.
Com efeito, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal não trepida ao afirmar, conforme o julgamento do AgR no RE 585230/PE (DJe de 25-06-2009), que a orientação cristalizada na citada súmula vinculante deve ser também aplicada no tocante a outras vantagens pecuniárias de idêntica natureza, no sentido de autorizar sua extensão aos inativos e pensionistas. Eis o teor da ementa do citado extraordinário:
Recurso extraordinário - Ratificação de Desempenho de Atividade Técnico-Administrativa (GDATA) e Gratificação de Desempenho de Atividade Técnico-administrativa e de Suporte (GDPGTAS) - Extensão de ambas as gratificações aos servidores inativos - Possibilidade - Precedentes firmados pelo Supremo Tribunal Federal - Recurso de agravo improvido.
Relativamente à vantagem denominada GDATEM – criada pela mesma Lei nº 11.355/2006, este Tribunal Regional assentou, na linha da jurisprudência cristalizada na indigitada Súmula Vinculante nº 20, que a benesse deve ser estendida aos inativos, com o objetivo de concretizar a norma constitucional estabelecida no art. 40, §8o, da Lei Fundamental. A propósito, confira-se na ementa extraída da AC 465909/RJ (rel. Des. Fed. Castro Aguiar, DJU de 09-01-2010):

Ementa
ADMINISTRATIVO – SERVIDOR PÚBLICO – GRATIFICAÇÃO DE DESEMPENHO DE ATIVIDADE TÉCNICO-ADMINISTRATIVA - GDATA – LEIS Nº 10.404/2002 E Nº 10.971/2004 – GDATEM – LEIS Nº 9.657/1998 E Nº 11.355/2006 - EXTENSÃO AOS INATIVOS – SÚMULA VINCULANTE Nº 20/STF. I – “A Gratificação de Desempenho de Atividade Técnico-Administrativa – GDATA, instituída pela Lei nº 10.404/2002, deve ser deferida aos inativos nos valores correspondentes a 37,5 (trinta e sete vírgula cinco) pontos no período de fevereiro a maio de 2002 e, nos termos do artigo 5º, parágrafo único, da Lei nº 10.404/2002, no período de junho de 2002 até a conclusão dos efeitos do último ciclo de avaliação a que se refere o artigo 1º da Medida Provisória nº 198/2004, a partir da qual passa a ser de 60 (sessenta) pontos.” (Súmula Vinculante nº 20/STF - Sessão Plenária de 29.10.2009 - DJe e DOU de 10.11.2009.) II – A regra de transição instituída pelo § 4º do art. 7º-A da Lei 9.657/98, incluído pela Lei nº 11.355/2006, que criou a GDATEM - Gratificação de Desempenho de Atividade Técnico-Operacional em Tecnologia Militar, ao garantir aos servidores em atividade sem avaliação de desempenho pontuação mínima (75 pontos) superior à conferida aos inativos (30%), criou disparidade entre servidores que se encontravam em iguais circunstâncias, ou seja, sem a avaliação de desempenho legalmente prevista. Nesse sentido tem-se posicionado a jurisprudência dos nossos Tribunais, entendendo que o Supremo Tribunal Federal, ao firmar orientação quanto à regra de transição da GDATA (art. 6º da Lei nº 10.404/2002), no julgamento do RE nº 476.279/DF, examinou norma análoga à da GDATEM, sendo assim, igualmente, devida a extensão de sua aplicação a todos os servidores ativos e inativos (TRF2, Proc. 2007.5117. 0060371, Rel. Des. Fed. Vera Lúcia Lima, sessão de 04.03. 2009; TRF2, Proc. 2007.5101. 0269920, Rel. Des. Fed. Sergio Schwaitzer, sessão de 12.11. 2008). III – Apelação da União e remessa necessária, considerada interposta, improvidas e parcialmente provida a apelação do autor.
Ante o exposto e com fundamento no dispositivo do art. 557, §1o-A do CPC e no §3o do art. 515 do mesmo Diploma legal, anulo a sentença terminativa proferida pelo juízo de primeiro grau e dou provimento ao recurso de apelação para, ao julgar procedente o pedido contido na petição inicial, conceder a segurança pleiteada para determinar que a autoridade impetrada promova o pagamento aos substituídos (a saber, aos aposentados e pensionistas do IBGE associados a Associação impetrante), da parcela denominada GDIBGE, na mesma proporção que é paga aos servidores em atividade mencionados no art. 80 da Lei nº 11.355/2006.
Indevida a condenação em honorários advocatícios, a teor do art. 25 da Lei nº 12.016/2009.
Publique-se. Intimem-se.
Transcorrido o prazo recursal, dê-se baixa e remetam-se os autos à vara federal de origem.
Rio de Janeiro, 26 de abril de 2010.
SALETE MACCALÓZ - Des. Federal

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